O que será (À flor da pele)

Chico Buarque de Holanda
O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que ão tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que ão tem medida, nem nunca terá
O que ão tem remédio, nem nunca terá
O que ão tem receita
O que será que será
Que dá dentro da gente e que ão devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que ão sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que ão tem descanso, nem nunca terá
O que ão tem cansaço, nem nunca terá
O que ão tem limite
O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que ão tem vergonha, nem nunca terá
O que ão tem governo, nem nunca terá
O que ão tem juízo